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O Biafra Renascido nos Trópicos

José Mendes de Oliveira

26 de outubro de 2021

 

Na era do capital financeiro, quando o trabalho deixa de ser referência no processo de produção do valor e, por intermédio de um estranho fenômeno de autofagia e artificialidade, o valor abstrato passa a gerar a riqueza, é relevante perceber com clareza quais são os atores mais influentes no jogo da economia local e mundial e, por tabela, reconhecer quem realmente dispõe as peças no tabuleiro da política.  Essa observação é fundamental para reconhecer, inclusive, quem realmente financia os rompantes autoritários que colocam em risco a débil democracia brasileira. Os grupos de elite tupiniquins englobam diversos segmentos - proprietários de indústrias, donos de organizações midiáticas e latifundiários por exemplo -, alguns mais visíveis e outros nem tanto. Há um segmento que deveria ser muito evidente, mas, contraditoriamente, não é tão visível para a maior parte da sociedade. Estamos nos referindo aos banqueiros. A maioria da população realiza variadas operações econômicas por intermédio dos bancos, mas pouca gente gasta alguns minutos de sua existência para refletir sobre o que são essas organizações, quem são os seus donos e, principalmente, qual o montante de seus ganhos. O real peso desse segmento das elites salta aos olhos quando observamos com mais atenção os seus lucros no decorrer do tempo. O que impressiona é o poder de manutenção dos lucros independentemente do ideário governista. Entre 1995 e 2002, portanto durante a gestão do tucanato, os principais bancos de capital livre – entre eles os bancos Itaú, Bradesco e Banco do Brasil – acumularam um ganho nominal de R$ 19,113 bilhões[1]. Impressionantes são também os números registrados nos governos progressistas, ou seja, durante as gestões petistas[2]: R$ 174,075 bilhões entre 2003 e 2010 e cerca de R$ 115,75 bilhões entre 2011 e 2013. O lucro consolidado do Bradesco, Banco do Brasil, Itaú e Santander no segundo semestre de 2019, de acordo com dados da empresa de investimentos Economatica, foi da ordem de R$ 20,4 bilhões, o que não surpreende muito quando se observa o caráter neoliberal da política econômica da gestão emedebista[3]. Em 2020, já na gestão bolsonaro orientada pela mesma agenda neoliberal, o ganho desses mesmos bancos foi da ordem de R$ 61,6 bilhões, um pouco menos que o lucro de R$ 81,51 bilhões auferido durante o ano de 2019[4]. Em significativa proporção, essa perda de ganhos foi ocasionada pela pandemia da Covid-19, que atingiu todos os setores da economia. Entretanto, rapidamente o setor bancário se recuperou e, no primeiro semestre de 2021, obteve ganhos líquidos em torno de R$ 62 bilhões, ou seja, um crescimento de 53% em relação ao mesmo período do ano anterior segundo o Banco Central[5]. O que nos diz tudo isso? Fica evidente que os bancos nunca perdem, logo os banqueiros podem se considerar quase que imbatíveis e, do ponto de vista ideológico, extremamente maleáveis. É por essa razão que figuras carimbadas do mercado financeiro brasileiro estiveram, e ainda se fazem presentes, ao lado de políticos e altos burocratas em diferentes governos, que deveriam ser realmente distintos, mas que talvez não sejam tão díspares em se tratando de manter as rédeas do poder e a famigerada governabilidade. A colusão e as relações obscuras entre o poder público e as forças do mercado parecem ser muito corriqueiras na terra brasilis. Talvez seja esse o caso evidenciado pela matéria veiculada pelo jornal independente Brasil 247, em que o principal sócio do BTG Pactual revela, em gravação disponibilizada pelo jornal, as suas boas relações e conversas reservadas com o presidente do Banco Central sobre a fixação de taxa de juros, e também com o presidente da Câmara dos Deputados a propósito dos rumos da economia. O que deveria ser público e transparente, ocorre no feitio tupiniquim como conversa de alcova, e assim se faz a política e os ganhos de quem muito ganha nesta estranha pátria de muita inflação, concentração de renda, fome e miséria[6]. A terra brasilis pode ser, em vários aspectos bonitinha, mas é infelizmente muito ordinária graças à índole de suas elites, particularmente do grupo que se dedica ao rentismo. Esse segmento não possui o voto das urnas, mas mantém nas mãos os títeres da política. Embora esse não seja um fenômeno exclusivo dos trópicos, por aqui os barões do rentismo se particularizam pela astúcia e pela invisibilidade no exercício do poder.  A condição de éminence grise é mais interessante e mais proveitosa, porque o mais importante é viabilizar sem desgastes a burra cheia. Como se diz por aqui: o que a gente faz é por debaixo dos panos. Essa gente perverte todas as regras e desrespeita todas as normas. Não se pode exigir do Zé Ninguém tupiniquim o comportamento republicano da separação entre o público e o privado, quando as próprias elites fazem a feijoada mais indigesta em prol de seus interesses e com o gingado do malandro carioca preconiza a Lei de Gérson. O mercado financeiro não mede as consequências de seus vícios e muito menos de seus atos. Em geral, quando as desgraças ocorrem, os banqueiros permanecem protegidos em praias paradisíacas tomando os seus coquetéis, e a conta despensa no colo do conjunto da população. No caso brasileiro, é imperdoável o fato de que o setor financeiro pôde ganhar tanto em governos progressistas: sem rédeas e sem peias correram soltos e multiplicaram os seus ganhos. Ainda que se possa admitir o famigerado argumento da governabilidade, permanece assustadora a evidência de que nada foi feito para colocar freios na avidez dos usurários. Atualmente, no contexto de um governo de extrema direita e agraciados com a hegemonia de uma política neoliberal intransigente, a turma continua auferindo seus altíssimos lucros e transformando o que deveria ser público em propriedade privada. É obvio que a mudança desse cenário exige transformações radicais e a superação do modelo econômico vigente. Não obstante, essa superação não poderá olvidar o que é mais urgente, aliás urgentíssimo: regulamentação, fiscalização e tributação sem privilégios ou exclusões das grandes riquezas. Tais medidas são essenciais para um projeto civilizatório que consiga desconcentrar a renda e estabelecer as condições mínimas para a sustentação da democracia e do desenvolvimento econômico e social do país. Caso contrário não demorará muito o momento em que não haverá sequer ossos para os miseráveis roerem. Então, nesse momento, o país se consagrará definitivamente como o Biafra, famélico e desesperançado, renascido nos trópicos.

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[1]https://oglobo.globo.com/economia/na-era-lula-bancos-tiveram-lucro-recorde-de-199-bilhoes-2818232 (Consultado em 25/10/2021).

[2]https://epoca.oglobo.globo.com/tempo/eleicoes/o-filtro/noticia/2014/09/principais-noticias-eleitorais-do-dia-11-de-setembro-de-2014.html (Consultado em 25/10/2021).

[3]https://insight.economatica.com/lucro-consolidado-dos-quatro-maiores-bancos-brasileiros/ (Consultado em 25/10/2021).

[4]https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/02/17/maiores-bancos-brasileiros-tem-a-maior-queda-nos-ganhos-em-21-anos.htm (Consultado em 25/10/2021).

[5]https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/10/bancos-lucram-r-62-bi-no-1o-semestre-e-rentabilidade-volta-a-nivel-pre-covid.shtml (Consultado em 25/10/2021).

[6]https://www.youtube.com/watch?v=vwrSOb3m3sE&t=4s; https://www.brasil247.com/economia/roberto-campos-neto-presidente-do-bc-se-orientou-com-andre-esteves-sobre-taxa-de-juros e https://www.poder360.com.br/economia/andre-esteves-do-btg-diz-ser-consultado-por-campos-neto-sobre-piso-de-juros/ (Consultados em 25/10/2021)

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